Até que a morte os separe

O amor é um tema que me fascina – caso contrário não me arriscaria a escrever sobre isso tantas vezes. Acho lindo ver que, mesmo com a possibilidade de ficarem sozinhas, muitas pessoas se aventuram a viver a dois. A compartilhar a rotina, os planos, os sonhos, as finanças, os problemas. E quem vive ou já viveu com alguém sabe que não é tarefa fácil.

Um relacionamento é, antes de qualquer coisa, uma escolha diária. E quando nos apaixonamos fazemos essa escolha de olhos fechados, muitas vezes sem pensar nas consequências, certos de que o sentimento que nutrimos pelo outro é o bastante para manter a harmonia para todo sempre. Não é. Porque a rotina amorosa não é nada romântica.

Viver a dois consiste saber quem vai pagar o que, qual deles vai fazer o almoço ou lavar a louça, divergir sobre a educação dos filhos – mesmo que você esteja no segundo ou terceiro ou quarto casamento e os filhos não são dos dois – lidar com o cano que estourou, o vaso que entupiu, o dinheiro que faltou para pagar todas as contas do mês.

Por isso mesmo acho lindo cerimônias de casamento, com os noivos declarando sim um ao outro, trocando alianças, fazendo promessas. Jurando que ficarão juntos “até que a morte os separe”. Tão emocionante quando presenciar um amor nascer é se deparar com um casal de idosos de mãos dadas, passeando juntos como se nada mais existisse, demonstrando que é possível permanecer junto de alguém por muito tempo.

Um casal que comemorou tantas bodas, tem um filhos, netos, passou por tantas experiências e manteve-se firme um ao lado do outro é a personificação do amor perfeito: envelhecer ao lado de alguém e estar ao seu lado até a hora em que a morte chegar. Como prometeram um ao outro.

A emoção se esvai quando me pergunto: será que ficar junto um do outro foi a melhor opção? Teriam sido mais felizes se tivessem dado adeus e seguido passos em estradas diferentes? Como foi a vida desse casal? O que viveram juntos foi uma história bonita? Ou seguiram apenas o protocolo antigo e tradicional de que deveriam permanecer juntos apesar de tudo?

Como foi o relacionamento deles? O velhinho que vejo agora foi um bom pai? Ou abusou dos filhos? Agrediu a mulher? Teve amante e filhos fora do casamento? E como foi essa senhora que, agora enrugada e fraca, parece um anjo de candura? Eles foram felizes juntos? Ou quiseram abandonar a relação tantas vezes, mas foram incapazes de fazer isso, pois não julgavam que era o certo a fazer? Ou não tinham como fazer?

Nunca saberemos da vida dos outros. São muitos os casais que conhecemos. E uma quantidade maior ainda dos que vemos pelas ruas e redes sociais expondo a alegria de estarem juntos. Estão alegres mesmo? Pode ser que sim, pode ser que não. Mas, se por um lado não sabemos da vida dos outros, precisamos saber na nossa. Que, no final das contas, é a única que deve importar. Estamos felizes mesmo? Ou temos que ficar junto de alguém até o fim da vida, até que a morte separe, porque o mundo convencionou assim?

Não estou dizendo que devemos abandonar o barco na primeira divergência, na primeira briga, no primeiro problema. Mas algumas diferenças são inconciliáveis, fazem mal e distanciam as pessoas. Até que a admiração, o amor e o companheirismo que existia se esvai. E nessa hora não vai adiantar se apegar aos bons momentos, as fotos do passado, ao que sentiram um dia. Nada volta a ser como antes.

Separar, no entanto, não é uma decisão simples. Não é bom, não é fácil, não é tranquilo. Mas às vezes é a única maneira de fazer com que as pessoas voltem a amar a si mesmas e a acreditar no amor novamente. É uma maneira de dizer que estavam vivendo uma história insatisfatória e que o amor pode ser mais do que estavam vivendo.

Portanto, toda vez que se deparar com um casal de velhinhos pergunte a si mesmo: é com a pessoa que está ao meu lado que desejo envelhecer? Se sim, agradeça aos céus – e demonstre todo seu amor. Se a resposta for não, reavalie se o relacionamento pode sofrer uma transformação ou se é chegada a hora de dizer adeus.

A maioria das pessoas quer encontrar a quem amar e envelhecer ao lado dela. E deve ser lindo conseguir isso. Desde que o relacionamento tenha sido feliz e gratificante. Não uma sucessão de mágoas, brigas, desilusões e rancores. Não quando o casal viveu infeliz e está junto por obrigação, porque não tinha outra alternativa a não ser aturar um ao outro.

Ao ver um casal de velhinhos fofos nunca saberemos qual é a sua história. Mas podemos construir a nossa. Com respeito, amor e felicidade. Até que a morte os separe. Ou não. Porque o que vale é ser feliz.

Crônica publicada no Amor Crônico em 17 de outubro de 2016.

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Giseli Rodrigues

Mãe do Lucas. Escritora. Professora. Revisora. Especialista em Letras, Recursos Humanos e Gestão Empresarial. Estudante de Psicologia. Chocólatra. Flamenguista. Pintora nas horas vagas. Bem-humorada. Feliz.

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