A maioria das pessoas sonha em encontrar um grande amor, viver a dois, construir uma família. Essas mesmas pessoas, depois que se apaixonam, casam e dividem o mesmo teto, costumam reclamar da rotina. Certas de que a vida amorosa é semelhante a uma história de amor de cinema, logo se decepcionam com a realidade do dia a dia.
O cotidiano de um casal é feito de um monte de pequenas decisões: o que comer, onde comer, que amigos convidar, qual filme assistir, que eletrodoméstico comprar, que convites aceitar, quando tirar férias, qual o destino da viagem, quem vai ao supermercado. Sem contar a divisão das tarefas e despesas domésticas. Coisas que precisam ser decididas diariamente.
Pode parecer pequeno, pode parecer pouco, pode parecer irrelevante, mas se um casal não consegue chegar a um consenso sobre as pequenas decisões cotidianas, se irritam, brigam, divergem, ficam com raiva e brigam a todo tempo, como construirão planos em comum?
Afinidades aproximam, enquanto as diferenças afastam as pessoas. E a rotina evidencia que o amor não é feito de sexo, flores, presentes, lingerie nova e declarações de amor 24h por dia. E prova que mesmo quando amamos não somos capazes de ler mentes e precisamos nos expressar por meio de palavras. Todos os dias.
Amar uma pessoa é um exercício fascinante, mas viver com ela por muito tempo só é possível quando as semelhanças predominam sobre as diferenças. De temperamento, de caráter, de valores, de projetos de vida. Os opostos podem se atrair, mas para construir uma relação duradoura é preciso muito mais do que atração.
Amor é apego, vontade de aconchego, intimidade, cumplicidade. E rotina. Porque o dia a dia com uma pessoa nos permite conhecê-la, admirá-la, compreendê-la e ter vontade de fazer as coisas juntos. Seja assistir um filme, embarcar em uma viagem, comprar uma casa, casar, ter filhos, construir um patrimônio ou investir em um ideal.
A rotina de um casal, cheia de pequenas decisões diárias, permite também a criação de rituais a dois tão importantes para solidificar a relação, torná-la única e especial. É claro que qualquer casal briga, diverge e se desentende, afinal é constituído de pessoas diferentes, criadas de maneiras distintas. Mas um casal que só faz isso está fadado a uma relação desgastante. Ou pior: a um relacionamento que não proporciona nosso desenvolvimento pessoal.
Conviver diariamente com uma pessoa que foi educada de maneira diferente da sua e teve outras experiências de vida é um aprendizado contínuo e diário. Do café da manhã a hora de dormir. Porque por mais longo que tenha sido o relacionamento antes de dividirem o mesmo teto, é sob ele que irão descobrir um ao outro verdadeiramente.
Não estou dizendo com isso que iremos deixar de ganhar e comprar presentes, de fazer e receber declarações de amor, de convidar e ser convidada para uma programação diferente. Estou tentando dizer que nada disso importa se o seu dia a dia é conturbado e voltar para casa e encontrar a pessoa que você escolheu para viver não é um dos maiores prazeres da sua vida.
A rotina não torna a vida amorosa entediante. Pelo contrário: permite a construção de um relacionamento estimulante, rico, seguro, sólido e cheio de planos em comum. Que vão muito além de quem recolhe o lixo ou faz o jantar. Porque quem consegue decidir sobre o cotidiano sem atritos, ou com poucos, é capaz de levar um amor adiante, construir uma história em comum e fazer com que a felicidade vire rotina.
Texto publicado no Amor Crônico em 4 de janeiro de 2016.
Interessante.
Obrigada, Valéria! 🙂