Maria do Carmo Miranda da Cunha nasceu em 9 de fevereiro de 1909 em Portugal. Dez meses depois a família desembarca no Brasil e passa a morar na Lapa, Rio de Janeiro. Conhecido como um bairro boêmio, com noite efervescente, músicas de todos os estilos e pessoas de todos os tipos, Carmen Miranda, como foi apelidada pelo tio, construiu ali a sua personalidade artística. E marcou para sempre a história da música.
Desde pequena ela demonstrava talento para a música e a dança, mas provavelmente ninguém imaginava que aquela luso-brasileira que pisara em terras tropicais ainda bebê, que abandonou os estudos aos 16 anos e trabalhou como vendedora de loja se tornaria um verdadeiro fenômeno, fosse conhecida mundialmente, marcaria para sempre a história da música e fosse eternizada por meio de sua arte. Mas foi o que aconteceu.
Ela eternizou os mais importantes compositores de seu tempo, de Lamartine Babo a Ary Barroso, de Dorival Caymmi a Pixinguinha. Embora gostasse de tango, investiu na gravação de marchinhas de carnaval e sambas, que cantava de maneira singular, muitas vezes trocando a letra das músicas, acrescentando uma bossa própria, um jeito de sublinhar as palavras com seus muitos erres vibrantes. Afinal de contas, ela é cria da Lapa.
Para dar uma ideia da dimensão do sucesso da Carmen Miranda, a música “Para você gostar de mim”, de autoria de Joubert de Carvalho, bateu o recorde de 35 mil exemplares vendidos em um mês. “Você tem que me dar seu coração…”, diz o trecho desse estrondoso sucesso. Mas quem não o entregaria a uma artista carismática, que além de cantar dançava como poucos e se vestia de maneira única?
Até os americanos entregaram a ela seus corações, mesmo sem saber uma palavra da Língua Portuguesa, como escreveu Carmem Miranda ao seu amigo Almirante: “Aqui vai uma cartinha contando-te que a tua amiga, segundo jornais, é a grande sensação da Broadway. A minha estreia foi algo indescritível. Eles não entendem patavinas do que eu canto, mas dizem que sou a artista estrangeira mais sensacional que até hoje apareceu aqui.” E assim, ela passa a ser chamada de Brazilian Bombshell.
Carmen era Carmen. Simplesmente. Tinha um estilo próprio durante suas apresentações, fazia movimentos únicos com as mãos e quadris, revirava os olhos verdes e conseguia ser elegante, simples e sensual ao mesmo tempo. Estilizou a baiana com badulaques, cores vibrantes, brilhos e batom vermelho. Sempre sorridente, foi imitada, amada e parodiada em todos os cantos do mundo. Graças ao seu estilo único, foi a primeira cantora de rádio a assinar contrato, quando a praxe era o cachê por participação.
Sobre o seu estilo incomparável fez a seguinte afirmação: “nunca segui o que dizem que “está na moda”. Acho que a mulher deve usar o que lhe cai bem. Por isso criei um estilo apropriado ao meu tipo e ao meu gênero artístico.”
Conhecida como sambista, Carmen Miranda gravou mais de vinte tangos, um dos seus estilos favoritos, além de foxtrote e marchas de carnaval. Excursionou por todo o Brasil e fez uma turnê internacional. Estrelou vários filmes, sete deles feitos no Brasil. O cinema americano atrelou sua imagem à caricatura da mulher latina, ciumenta, irritada, de sotaque carregado e exagerado, ainda que Carmen, na vida real, falasse inglês muito bem. Enquanto isso, o Brasil a acusou de ser instrumento da estratégia americana de boa vizinhança com os países latino-americanos antes da Segunda Guerra e também de servir ao populismo de Getúlio Vargas – foi e acentuar os estereótipos do Brasil, de rebuscar os gestos, de “americanizar-se”.
A pequena notável não ignorou os comentários e respondeu às acusações. “Nas rodas de malandro minhas preferidas/ Eu digo mesmo eu te amo, e nunca “I love you”/ Enquanto houver Brasil/Na hora da comidas/Eu sou do camarão ensopadinho com chuchu”, diziam os versos da música “Disseram que eu voltei americanizada”.
Uma das mulheres mais famosas e bem pagas do mundo, Carmen, além de dinheiro e fama, conquistou o direito de pisar em território nunca antes permitido às mulheres, como o rádio e os cassinos, predominantemente masculinos. A frente de seu tempo, disse que “ser humano é amar. Qualquer tipo de amor”. Viveu grandes amores, mas seu casamento foi um fracasso e teve o sonho de ser mãe interrompido por um aborto espontâneo. E nunca mais conseguiu engravidar.
A história dessa mulher e artista fascinante, que desperta nossa curiosidade até hoje, mostra que nem mesmo as estrelas vivem só de glamour, noite de autógrafos, apresentações e alegria. Carmen Miranda, massificada pela agenda de shows, começou a tomar remédios para dormir, comer, acordar. O consumo de barbitúricos, permitido e incentivado em Hollywood naquela época, somado a dependência de álcool e cigarro, potencializou o efeito destrutivo dos remédios, fazendo com que ela ficasse muito doente e voltasse ao Brasil, por recomendação médica, depois de quatorze anos de ausência.
Ao retornar aos Estados Unidos, em abril de 1955, ela voltou ao trabalho para cumprir a agenda lotada de shows. Apresentou-se em cassinos por todo país, foi a programas de televisão e cantou em Havana, Cuba. Em 4 de agosto de 1955, enquanto se apresentava no Jimmy Durante Show, em um roteiro feito especialmente para ela “Carmen Miranda do Brasil”, desfaleceu no número de dança e foi amparada pelo apresentador. Essa foi sua última aparição ao público.
Em 5 de agosto, de madrugada, morre em Los Angeles, aos 46 anos, de enfarte. Para quem dizia que odiava hospitais e desejava morrer de maneira fulminante, parece que os céus ouviram e atenderam seus pedidos. Muito amada, Carmen foi velada por 60 mil pessoas, na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, e sepultada no dia 13 de agosto, no Cemitério de São João Batista, onde mais de 500 mil pessoas acompanharam o cortejo e se despediram da estrela.
Como a verdadeira arte é atemporal, Carmen Miranda, a pequena notável, vive até hoje. Mesmo aqueles que não conhecem sua trajetória e dizem não conhecê-la, já cantaram, dançaram e se alegraram ao som de suas músicas, nem que tenha sido num baile de carnaval. A quantidade de fãs que conquistou mundo afora, ao longo de todos esses anos, mesmo depois de sua morte estão aí para provar que tudo que é bom dura para sempre.
“Taí, eu fiz tudo p’rá você gostar de mim
Ah! meu bem, não faz assim comigo não!
Você tem, você tem que me dar seu coração!”
Crônica publicada originalmente na obvious em março de 2015.