A vida sem mãe

Que todos nós iremos morrer algum dia todos nós sabemos. O que não sabemos, até que alguém que amamos muito nos deixe, é que a morte não morre nunca. Fica ali, latejando, todos os dias. Pelo menos tem sido assim para mim, desde o dia 29 de dezembro de 2018, quando minha mãe morreu.

Vivi, naquele dia, a maior dor que senti até hoje. E, passado algum tempo, eu ainda não sei descrever o desespero que é ver um corpo inerte e sem vida quando no dia anterior ele abrigava uma alma cheia de alegria. Eu sei que a maioria dos filhos exaltam as mães e dizem que as suas são as melhores do mundo, mas a minha era também minha amiga. Confidente. Terapeuta. Médica. Anjo da guarda. Não havia um dia em que a gente não se falasse.

Minha mãe não existe mais. Eu sei disso. Algumas vezes, no entanto, ainda me pego dando print em um bolo para enviar para ela, pensando em ligar para falar uma novidade, escrevendo uma mensagem para perguntar alguma coisa. Afinal, a minha mãe era de um tempo em que as mães sabiam de tudo e tinham todas as respostas para os filhos. Ainda falo que vou na casa da minha mãe e, na maioria das vezes, me refiro a ela no presente.

Com a morte dela morreu também toda a vida que eu conhecia até então. Todos os rituais. Toda a rotina. Toda a forma de me relacionar comigo mesma. Não importa a idade que você tenha, ao perder a mãe você vai precisar reaprender a viver. Tudo de novo. Só que dessa vez vai se virar sozinho.

Cada data comemorativa. Cada ritual. Cada dia da sua rotina. Tudo será novo. E precisará ganhar um outro significado depois de uma experiência tão dolorosa quanto a morte. Sem contar que todas as vezes que alguém falar a palavra mãe ou família, tão comuns e cotidianas, você irá sentir de uma maneira diferente.

O mundo está igual, a vida continua, as pessoas seguem suas rotinas. E, por mais que você saiba que a vida tem que continuar e esteja fazendo isso, você nem sabe como está fazendo. A morte escancara a nossa fragilidade e mostra, da maneira mais cruel, que não temos controle de nada. Não tem como fazer o tempo voltar. Não tem como ressuscitar quem amamos. Não tem nada que você possa fazer para sair dessa realidade. Acabou.

Eu não sei se existe deus, céu, inferno ou paraíso e, com a morte da minha mãe, eu me importo ainda menos com isso. Se vou encontrar com ela depois da morte, se ela olha por mim, se está num lugar melhor ou pior, eu não tenho como saber. O que sei é que ela está em mim. Cada dia mais viva do que nunca. E lembro dela todos os dias.

Egoísta, eu gostaria que minha mãe vivesse muito mais. Ela não seria dessas velhinhas ranzinzas, de mal com a vida e que vivem julgando as pessoas, como muitas que conhecemos. Seria dessas que contam histórias, ensinam os mais jovens, bebem uma cerveja no fim de semana, trocam receitas e lamentam não ter nascido nos nossos dias, quando as mulheres têm mais liberdade. Mas ela se foi.

Ela era a pessoa mais compreensiva e tolerante que já conheci. Uma mulher forte que, embora tenha tido uma vida difícil, acreditava nas pessoas, encontrava alegria em viver, distribuía amor e ajudava a todos que podia. Foi a melhor mãe que eu poderia ter. E a mãe que muitas pessoas precisavam ter tido para aprender a ser gente.

Minha mãe morreu, mas o amor que sinto por ela permanece vivo. Quando a dor se transformar apenas em saudade eu espero ter a força que ela tinha para espalhar amor por aí. E ajudar a transformar o mundo num lugar menos insano, violento e odioso.

Em meio a tanta tristeza eu reconheço o privilégio ter tido uma mãe como ela.

Crônica publicada no Amor Crônico em 24 de março de 2019.

                              

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Giseli Rodrigues

Mãe do Lucas. Escritora. Professora. Revisora. Especialista em Letras, Recursos Humanos e Gestão Empresarial. Estudante de Psicologia. Chocólatra. Flamenguista. Pintora nas horas vagas. Bem-humorada. Feliz.

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