Relendo o passado

Olho as agendas da adolescência, já esquecidas numa caixa grande e amarelada. Dedicatórias, fotos, poesias que fiz para ninguém, embalagens, declarações de amor, códigos secretos. Me despeço folheando cada folha, rindo de frases desconexas, tentando decifrar códigos que criei.

Não preciso de nenhuma daquelas folhas para relembrar cada momento do meu passado, para relembrar amigos queridos, paixões desfeitas, professores amados e odiados, aulas, provas e seminários. São folhas, apenas. Essas folhas dizem respeito a um momento que já passou.

Um poema. Lindo poema, escrito pelo “Tio Rê”, um professor doido de educação artística, com cabelos compridos, calças rasgadas e idéias inovadoras. Subia na mesa, ensinava origamis. Despertava ira de pais conservadores e fascínio dos alunos.

Uma foto. Aquele menino branquinho da foto não seria aquele rapaz com quem troquei beijos intermináveis numa festa? A vida dá voltas: estudamos a vida toda na mesma turma e nunca nos interessamos um pelo outro. Precisamos crescer, nos reencontrar anos depois para nos olhar com outros olhos – ou com os mesmos olhos de quando éramos crianças?

Eu cresci, embora esteja quase do mesmo tamanho. A minha aparência mudou. A minha letra mudou. O meu corpo mudou. Mudaram também as minhas idéias e opiniões. Não sou mais aquela menina que fui um dia, embora seja muito mais menina do que mulher.

Preciso ocupar o armário com novas quinquilharias velhas. Foi para isso que resolvi arrumá-lo e jogar tudo fora. No entanto, permanecem lá as agendas despencadas, folhas amareladas, cheiro de infância e gosto do primeiro beijo. Falta coragem.

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Giseli Rodrigues

Mãe do Lucas. Escritora. Professora. Revisora. Especialista em Letras, Recursos Humanos e Gestão Empresarial. Estudante de Psicologia. Chocólatra. Flamenguista. Pintora nas horas vagas. Bem-humorada. Feliz.

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