Saramago para sempre

Ao ler Ensaio sobre a Cegueira apaixone-me por José Saramago. Per-di-da-men-te. Pelas suas ideias. Brilhantes. Lúcidas. Intrigantes. Polêmicas Ele não se conformava com o mundo como ele é. E mostrava, a quem quisesse ver, o mundo como ele é.

Li vários livros dele e me surpreendia mais a cada linha. Como alguém é capaz de ilustrar um diálogo sem as convenções que aprendemos a vida toda na escola? Como alguém pode escrever (qualquer coisa!) de maneira tão poética? Como alguém pode brincar tanto com as palavras e ser tão compreensível? Como alguém pode nos fazer pensar e repensar, mesmo após concluída a leitura de sua obra?

Sobre o livro que mais gosto deixou escrito: “Escrevi Ensaio sobre a cegueira para recordar a quem o leria que usamos perversamente a razão quando humilhamos a vida, que a dignidade do ser humano é insultada todos os dias pelos poderosos de nosso mundo, que a mentira universal ocupa o lugar das verdades plurais, que o homem deixou de respeitar-se a si mesmo quando perdeu o respeito a seu semelhante.”

Saramago se preocupava não só com quem o leria, mas, sobretudo, com o que escrevia: “Depois de morto, o escritor será julgado segundo aquilo que fez. Reivindiquemos, enquanto ele estiver vivo, o direito a julgá-lo também por aquilo que é”, escreveu no ensaio Sobre literatura, compromisso e transformação social.

Talvez tenha sido uma das pessoas mais congruentes de que se teve notícia, pois era fiel às suas ideias e as defendia. Falava o que sentia. Não se esquivava se suas opiniões para agradar ninguém. Era simples, embora inteligentíssimo. Em um discurso afirmou sobre o seu avô: “o homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler e nem escrever”. Aprendi a admirar não só a sua Literatura, mas sua pessoa.

Saramago me fez acreditar que amar é possível – e sempre desejei alguém que me amasse tanto quanto ele amava Pilar. Basta ler “A Pilar” no início de qualquer livro para eu me sentir extremamente emocionada. Para acreditar que o amor existe, que pode ser sincero, romântico e durar até que a morte os separe – como aconteceu com eles.

Eu, que sempre me vergonhei de não ter gostado de Paris e, menos ainda dos franceses, quando li a carta em que Saramago conta a sua primeira viagem ao exterior mudei de ideia. Se Saramago me compreendia, a opinião dos demais já não era relevante. “Leva uma pessoa quase uma vida a sonhar com Paris, e depois chega lá, olha em redor, vê o Sena que é assim a modos que o Tejo visto do outro lado do binóculo, e murmura, decepcionado: ‘Afinal, é só isto?’.”E, num assomo de nacionalismo: “Descobri uma coisa muito séria: é que nós portugueses, somos, afinal, um excelentíssimo povo! Talvez eu esteja enganado, mas não creio que os franceses (ou os parisienses) mereçam a cidade que têm.”

Saramago se foi em 18 de junho de 2010. Pensei nos livros que deixaria de ler e no homem lúcido, criativo e sensato que o mundo acabara de perder. Confesso que sofri. Como alguém que perde alguém muito querido e importante. Para mim, Saramago era mais do que um grande escritor, cronista, jornalista, dramaturgo, contista, romancista e poeta. Mais do que o Nobel da Literatura de 1998. Mais do que o Prêmio Camões, o mais importante prêmio literário da Língua Portuguesa. Era um exemplo de vida.

Eu, que espero chegar aos 87 anos com a mesma lucidez e inteligência do meu ídolo, continuo procurando um pouco mais de mim mesma, porque como Saramago escreveu: “Dentro de nós há uma coisa que não tem nome. Essa coisa é o que somos”.

Sobre a autora Todas as publicações

Giseli Rodrigues

Mãe do Lucas. Escritora. Professora. Revisora. Especialista em Letras, Recursos Humanos e Gestão Empresarial. Estudante de Psicologia. Chocólatra. Flamenguista. Pintora nas horas vagas. Bem-humorada. Feliz.

5 ComentáriosDeixe um comentário

Deixe uma resposta

Your email address will not be published. Required fields are marked *