Estava voltando da faculdade, peguei um ônibus e sentei ao lado de uma mulher que parecia ter a minha idade. Não costumo conversar com desconhecidos e não sou uma pessoa expansiva, mas a mulher puxou assunto, era muito simpática e fomos conversando durante todo o trajeto.
Enquanto conversávamos, ela recebeu uma mensagem no celular, parou para olhar e, indignada com o seu conteúdo, começou a desabafar comigo. Era algum problema relacionado a filha, que estava sob os cuidados do ex-marido e eles divergem sobre a educação dela. Até aí nada novo sob a luz do sol. Pais que vivem juntos também têm opiniões distintas e discutem por esse motivo.
Mas, ao falar do ex, ela se sentiu à vontade para explicar as razões pelas quais o seu casamento chegou ao fim depois de mais de quinze anos de relacionamento. Traição. Até aí nada novo também. Quantos casamentos acabam por este mesmo motivo? O ex-marido se apaixonou por um homem, com quem passou a viver depois de deixá-la.
Desabafou sobre o sofrimento de ter sido traída e da transformação pela qual sua vida passou. Ela mudou de casa, de emprego, passou a pensar nela mesma, disse que estava estagnada e o sofrimento a fez rever sua vida, seus planos e o seu futuro. Mais de um ano havia se passado, ela fez muitas coisas boas, conheceu gente nova, mas ainda estava aprendendo a viver como solteira e se adequar a tantas mudanças na rotina.
De repente, nossa conversa girava em torno da nossa incapacidade de conhecer as pessoas mesmo convivendo com elas há bastante tempo. Mas de uma década vivendo com alguém sem que ela desconfiasse de que ele gostava de homens ou que viesse a gostar de um. Sob o mesmo teto, acompanhando um ao outro, educando uma criança, fazendo planos em comum.
“A traição eu já superei, não superei o fato dele ter me enganado tantos anos”, ela disse num dado momento da nossa conversa. Para ela não importava se era com um homem ou uma mulher. Ainda não se conformava por ele ter se preocupado apenas com o seu próprio prazer, ter dado oportunidade de conhecer alguém enquanto ela ainda tinha um bebê no colo, a dizer eu te amo já amando outra pessoa.
Namoraram desde a adolescência, cresceram juntos, casaram cedo e ela confiava nele. Acreditava que ele nunca se apaixonaria por outra pessoa e que se isso acontecesse ele contaria. Mas não. Ela descobriu. O mundo caiu sobre a sua cabeça e ela estava juntando os caquinhos.
E, antes de se despedir de mim e descer do ônibus, ela disse: “eu não confio mais em homem nenhum e não quero casar novamente.” E eu entendi perfeitamente. Como confiar em alguém de novo depois que você confia em uma pessoa e ela te trai? Talvez seja essa a sequela mais dolorosa de uma infidelidade: a incapacidade de confiar novamente.
Não tive tempo de dizer para a mulher do ônibus que não estamos erradas em confiar em alguém, investir num relacionamento e fazer com que ele dê certo. E, principalmente, que amor não desiste de nós.
Cada um tem o seu próprio tempo, mas a vida se ajeita, o coração machucado encontra forças para colar seus caquinhos, se doar e, quando menos se espera, está confiando em alguém e fazendo juras de amor novamente.
A vida não para. E o amor também não.
Crônica publicada no Amor Crônico em 03 de julho de 2017.