Ser a outra

Toda semana fico sabendo de novas histórias sobre traição. E toda semana fico chocada, indignada e desacreditada nas pessoas e em suas relações calcadas em mentiras, desrespeito e ilusões. Dos casos que soube recentemente, quem está traindo o parceiro tem aquela imagem de pessoa certinha, discurso conservador em prol da família e dos bons costumes e publica várias fotos e declarações de amor nas redes sociais.

Sabe aquele relacionamento de dar inveja? A família de comercial de margarina? Mas não é sobre pregar um discurso e ter atitudes divergências nem a superficialidade das publicações nas redes sociais – em que nem tudo é o que parece –  que desejo falar hoje. Hoje eu quero falar de um personagem tão demonizado, odiado e incompreendido: a outra.

A outra é uma mulher como nós. Como tantas. Não importa se é alta, baixa, loira, morena, rica, pobre, feia bonita, culta ou inculta. Importa que ela se apaixonou pelo mesmo homem que você. Sem que você saiba disso. E, se a história é descoberta, geralmente todo ódio é transferido para ela. Afinal, é uma puta, vadia, destruidora de lares, pistoleira. Inúmeras cenas de filmes e novelas ilustram brigas de mulheres por causa de homem.

Assisti poucas cenas – na realidade não estou lembrando de nenhuma – em que a mulher traída agrediu o próprio parceiro, a pessoa que a enganou. Mas isso também não é um texto sobre violência ou apologia a agressão. Nada justifica bater em alguém. Nem uma traição é motivo para isso. O que é então o objetivo deste texto? Analisar, superficialmente, o porquê uma mulher aceitar ficar com uma pessoa comprometida.

Conheci mulheres que foram amantes por anos, se sujeitando a encontros em horários esdrúxulos, tirando inúmeras fotos com o homem que ama sem poder publicá-las, comemorando datas festivas em dias diferentes, se contentando com poucas horas de atenção e até mesmo abrindo mão do sonho de ser mãe, pois o homem já tinha filhos com a esposa.

Das histórias que já conheci, algumas mulheres acreditaram que ser a outra era ficar apenas com a parte boa da relação – sexo, passeios e presentes. Que teriam um romance ausente de monotonia e obrigações. Mas foi justamente isso que gerou toda a mágoa, insegurança, desconforto e, posteriormente, conflitos.

Algumas mulheres também julgaram que nada estavam fazendo de errado e bastava aproveitar um pouco do homem que acharam bonito, inteligente ou sei lá o quê. Só sexo e nada mais. Até que um encontro se transformou no segundo, no terceiro, no quarto, e perderam o controle. Paixão é uma coisa complexa, não é mesmo? Não dá para planejar.

Também não estou com pena da outra. A vida é feita de escolhas. Se ela se envolveu com um homem comprometido, ou continuou com ele depois que descobriu que ele tinha alguém, foi porque quis. E toda escolha traz consequências. O que, neste caso, consiste em aceitar que não está no topo das prioridades do outro e não poderá contar com seu apoio prontamente.

Não é fácil acabar com uma relação quando se está apaixonada. Mesmo percebendo que o homem não irá abdicar da mulher para viver uma nova relação e que as coisas vão permanecer como estão, parece mais fácil e menos doloroso aceitar. Muitas vezes, no entanto, se sujeitar ser a outra mesmo estando insatisfeita com a situação afeta outras relações afetivas, familiares e até mesmo profissionais.

Com o passar do tempo os planos e os sonhos vão ficando para trás em detrimento de uma relação que nunca evolui. Ou não evolui do jeito que gostaria, já que a pessoa pela qual se apaixonou já tem compromisso, rotina e uma vida que não está disposta a renunciar em nome de outro amor.

Hoje meu texto é para a outra: se você está com um homem comprometido e já teve demonstrações suficientes de que ele nunca irá renunciar a essa relação para investir em outra com você, reflita sobre o seu futuro e o que espera de uma relação amorosa. Exteriorize sua tristeza, reconheça a dor de viver uma relação pela metade e tenha força para acabar com o que te faz mal.

Procure apoio dos amigos, busque um terapeuta. Às vezes é necessário compreender o porquê de escolher homens complicados e estabelecer relações insatisfatórias. Ninguém precisa ficar estacionado em uma relação que não pode ser vivida plenamente e, por isso mesmo, causa dor, mágoa e tristeza. É preciso recuperar a autoestima e otimismo e perceber que o amor é outra coisa.

Se você gosta de ser a outra, aí já é outra história. E, pelo menos por enquanto, eu não tenho um texto para você.

Crônica publicada no Amor Crônico em 6 de novembro de 2017.

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Giseli Rodrigues

Mãe do Lucas. Escritora. Professora. Revisora. Especialista em Letras, Recursos Humanos e Gestão Empresarial. Estudante de Psicologia. Chocólatra. Flamenguista. Pintora nas horas vagas. Bem-humorada. Feliz.

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