O lugar do outro

“Ser empático é ver o mundo com os olhos do outro e não ver o nosso mundo refletido nos olhos dele”. Carl Rogers

Na semana passada meu tio faleceu, vítima de covid. A morte é sempre injusta, né? Num dia a pessoa está realizando suas tarefas cotidianas, tomando café, almoçando com a família, pagando boletos, e no outro não existe mais. Ele tinha 76 anos e era cheio de vida. E, o que ou depois de sua morte? “Já era idoso”, “devia ter alguma doença”.

A ignorância é muita. Por mais que ele – ou qualquer outra pessoa – tivesse comorbidades, foi o covid, e não outra doença, que o levou a morte. Mas muita gente não se importa, como se a vida de quem é idoso não valesse nada, como se alguém que sofre com doença crônica não mereça viver. E lá se vão milhares de mortes no Brasil e as pessoas agindo como se a pandemia tivesse acabado.

Olhando o comportamento das pessoas vemos que falta muita coisa: cidadania, respeito ao próximo, senso de coletividade, mas, sobretudo, empatia. Não se diz para alguém que acabou de perder um ente querido que ele já era velho. Ou que deveria ter outra doença.

Esta semana um grupo de religiosos se reuniram na porta de um hospital, não para rezar pelos enfermos ou oferecer palavras de consolo. Mas para chamar assassina uma menina de dez anos, vítima de estupro. Por que ir atrás de uma criança e não de seu estuprador? Por que a sociedade criminaliza mais o aborto do que o estupro? A resposta já sabemos: a vida das mulheres não vale nada e nossos corpos não nos pertencem.

Eu sei que o endereço mais difícil do mundo é o lugar do outro. Mas precisamos exercitar todos os dias para nos tornamos mais humanos. Será que alguma dessas pessoas que foram agredir uma criança de dez anos pensou no horror que ela já passou? Abusada há quatro anos por um homem que deveria lhe oferecer amor e cuidados. Grávida aos dez. Não importa se você é contra ou a favor do aborto. Não é sobre você. É sobre o outro. Sobre uma criança.

Falta amor. Falta empatia. Falta respeito. Falta tanta coisa neste mundo que é fácil perder a esperança na humanidade. Mas precisamos continuar. Precisamos seguir. Precisamos fazer nossa parte. Só o amor e a empatia nos farão manter distância de grupos que só falam em deus, mas vivem de crucificar os outros. Que pregam amor e só espalham ódio. Que dizem lutar pela vida e só agem com violência. Pessoas que não conseguem enxergar além de si mesmas.

Crônica publicada no Amor Crônico em 17 de agosto de 2020.

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Giseli Rodrigues

Mãe do Lucas. Escritora. Professora. Revisora. Especialista em Letras, Recursos Humanos e Gestão Empresarial. Estudante de Psicologia. Chocólatra. Flamenguista. Pintora nas horas vagas. Bem-humorada. Feliz.

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