O casal e a coxa de frango

Li, já faz muito tempo, uma história que não sei exatamente como era, mas, em resumo, dizia que um casal de idosos, juntos há mais de sessenta anos, estavam reunidos com a família para comer um frango assado desses de padaria. Quando a filha pergunta qual a parte que a mãe mais gosta ela responde que é a coxa. O marido fica surpreso, pois ela sempre comeu o peito. E ela explica que sempre comeu o peito por saber que ele preferia a coxa.

O final do texto vocês já devem imaginar: a filha fica emocionada e a moral da história é que relações bem-sucedidas são assim, um renunciando a alguma coisa pelo outro. Pois bem. Muitos devem concordar com isso, achar a história fofa e romântica, mas, sinceramente, eu não achei. Passar a vida inteira com alguém sem falar da sua preferência? Comer por anos seguidos algo que não gosta muito para satisfazer o outro? E pior: sem permitir que o outro conheça seus verdadeiros gostos?

Por que estou trazendo essa história? Porque muitas vezes tomamos decisões, não falamos a verdade, agimos para agradar o outro e não levamos em conta as nossas preferências. E isso está errado. E, se voltarmos a história do frango, os dois podiam comer felizes, já que o frango tem duas coxas! Por que dificultar a vida?

Em um relacionamento duradouro, certamente, você vai fazer coisas que não deseja, renunciar a alguma coisa, ir a lugares que não gosta, aturar um parente inconveniente. Faz parte. A vida, até mesmo solitária, tem dessas coisas. Mas daí a fazer sempre algo que você não gosta para fazer o outro feliz, sem que o outro nem saiba que você está abdicando de alguma coisa, não é um pouco demais?

Não seja essa pessoa. Seja lá qual for a coxa de frango da sua vida a dois, repense. Fale a verdade. Diga o que gosta. Você não precisa renunciar sempre. Permita que o outro também deixe de comer a coxa para te dar. Permita que o outro também demonstre carinho e cuidado por você. Relacionamento é isso: um pelo outro, não um fazendo tudo pelo outro sempre.

Crônica publicada em 20 de junho no Amor Crônico.

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Giseli Rodrigues

Mãe do Lucas. Escritora. Professora. Revisora. Especialista em Letras, Recursos Humanos e Gestão Empresarial. Estudante de Psicologia. Chocólatra. Flamenguista. Pintora nas horas vagas. Bem-humorada. Feliz.

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