A volta dos que não foram

Eu játive que enterrar para sempre o sapo que me fez acreditar ser príncipe durante meses. Doeu. É dolorido saber que o cidadão mora na rua ao lado e você não pode vê-lo ou que o telefone está em sua memória e é mais sensato nãoligar.

Vivi dias de luto. Dias cinzas. Dias sem graça. Dias feios. Dias ilógicos. Dias em casa. Dias de choro. Dias de Você não me ensinou a te esquecer. Dias de muita dor (e, olha que nem estou falando daquela ocasionada pelo chifre!)

Como para quem não é trocador nem motorista, tudo na vida é passageiro, com o passar do tempo os dias foram ganhando sentido, a rotina foi ficando divertida e essa longa viagem chamada vida foi ficando cada dia mais interessante.

Curiosamente, essas mudanças coincidiram com falhas em minha memória. O telefone daquele ex-imprescindível foi se apagando, a música nossa parou de tocar, sua imagem escapou da memória, não recordava sua cor predileta, seu prato favorito ou seu perfume.

Quando uma amiga veio dizer que o encontrou na praia, com uma magrela da altura de uma girafa e eu nem me importei, tive certeza: eu o havia enterrado. Tudo estaria perfeito, se não fosse um pequeno detalhe: assombração existe e alma penada sempre volta para aterrorizar burraldas indefesas.

Depois de ser abordada pelo Defunto na rua, quando nos encontramos por acaso, misteriosamente, ele passou a estar presente em todos os lugares onde eu passava. Padaria, bar da esquina, rua da academia, salão de beleza.

Eu juro que não era fruto da minha imaginação: o ex-defunto-falecido, enterrado há tempos, ainda fazia questão de vir ao meu encontro, para cumprimentar e puxar assunto. Um belo dia pediu meu telefone e a burra, metida a civilizada, deu.

Eis que o defunto resolve ressuscitar: liga, manda torpedo, me convida para sair. Até telefone do trabalho descobriu e já disse que me adora. (olha bem para minha cara: você lembrou que me adora depois de três anos?????).

Preciso dizer que mesmo depois de tanto tempo meu coração doeu de saudade, senti falta de seu perfume e nossa música tocou? Desejei ressuscita-lo, ainda que fosse para enterrá-lo outra vez, mas nada que uma reza forte, um galho de arruda, uma figa e a lembrança do chifre não resolvessem.

(Tenho muito medo de assombração!)

Lição da história: por mais tempo que possa demorar eles sempre voltam desejando a ressurreição. Isso é problema deles. Correr o risco de cair nas mesmas ciladas novamente, com o mesmo homem, já é um problema nosso.

Idiotilde

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Giseli Rodrigues

Mãe do Lucas. Escritora. Professora. Revisora. Especialista em Letras, Recursos Humanos e Gestão Empresarial. Estudante de Psicologia. Chocólatra. Flamenguista. Pintora nas horas vagas. Bem-humorada. Feliz.

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