Não infernize a amante

A verdade é que histórias de traição conhecemos aos montes. Ou pior: já vivenciamos. Quem se propõe a viver um amor monogâmico e foi enganado pelo parceiro sabe a dor que é. É perder um pouco a fé na humanidade. É ter sua autoestima abalada. É perder a confiança nas pessoas. É acreditar que o amor não vale a pena. É se culpar por ter se dedicado a uma pessoa que te desrespeitou.

É muito doloroso ouvir “eu te amo” num dia e descobrir uma traição no outro. E ficamos ali, atordoadas, com um monte de perguntas sem resposta. Por que fui traída? O que eu fiz de errado? Quem é essa mulher? É bonita? É feia? Inteligente? Como se conheceram? Ficaram juntos uma vez ou várias? O que gostam de fazer? Ela sabe que ele é comprometido?

Ainda que nenhuma resposta mude absolutamente nada do que aconteceu ou o sentimento de humilhação de quem foi enganado, compreendo que as mulheres, além de uma dor enorme, sintam uma vontade gigantesca de saber quem é a outra. A rival. A amante. A destruidora de lares. A puta. A vadia. Aquela que repentinamente veio descolorir seus sonhos de amor perfeito e esfregar na sua cara que o homem que você escolheu é um homem como qualquer outro. E que nós mesmas somos uma mulher como tantas, passíveis de serem traídas e enganadas.

Se você foi traída tenho um conselho: por mais raiva e tristeza que esteja sentindo direcione seus maus sentimentos para a pessoa que te traiu. Diferente do que deseja acreditar, a outra não é puta, não é destruidora de lares, não é vadia, não é caçadora de homens. E não obrigou o seu parceiro a ficar com ela. Ele ficou porque quis. E foi ele, não ela, que teve o sangue frio de lhe contar histórias mentirosas, marcar encontros às escondidas e se declarar para outra mulher enquanto se declarava para você também.

A outra pode ter sido enganada também, vale ressaltar. Ele pode ter escondido a aliança que vocês escolheram com tanto carinho. Pode ter inventado que o relacionamento de vocês estava muito mal. Ou ter dito que já estavam separados. Há a possibilidade de que ele tenha dito a verdade e a outra tenha aceitado embarcar nessa relação assim mesmo. Mas se ela não é sua melhor amiga, irmã ou mãe, só ele, e mais ninguém, tem culpa.

A amante é uma mulher como nós. Nem melhor, nem pior. Precisamos aceitar isso. E, assim, de uma vez por todas, parar de justificar os erros dos homens que amamos. Você não foi traída porque está acima do peso, porque deixou de fazer unha nessa semana, porque faltou com atenção, porque não comprou uma calcinha nova, porque não quis experimentar uma posição sexual diferente, porque foi grossa num dia, porque não comprou um presente, porque o relacionamento caiu na rotina. A culpa não é sua.

Arrisco afirmar que você estava sendo fiel, se dedicando ao relacionamento, acreditando que havia finalmente encontrado alguém digno de confiança e fazendo sua parte para que a história de amor tivesse um final feliz. Foi o seu companheiro que traiu você. Não a mulher com quem ele saiu – ou ainda está saindo.

Não são as amantes que nos faltam com respeito. É doloroso demais admitir isso quando já estamos machucadas e tudo que queremos é transferir a responsabilidade para alguém. Mas culpá-las é injusto, inútil e imaturo. Não foram elas que nos fizeram promessas, juras de amor e entre lençóis afirmaram que não teriam mais ninguém nessa vida.

A sociedade em que vivemos nos ensinou a justificar todos os erros dos homens. Fez com que pensássemos que eles são ingênuos, imaturos, agem por instinto, precisam mais de sexo do que as mulheres e se traiu foi culpa da companheira, que não deve ter dado amor suficiente, sexo suficiente, companheirismo suficiente.

Ou seja: quando um homem trai sua parceria a responsabilidade é sempre da mulher. Seja ela a companheira ou amante. E isso não está certo. Se quiser dar continuidade ao relacionamento, passar por cima do orgulho e dar um voto de confiança ao homem que foi desleal com você, faça isso. Se quiser dar um basta, pôr um ponto final e viver outra relação, faça isso. Cada um é livre para assumir suas escolhas e se responsabilizar pelas consequências.

Só não infernize a vida da amante. Não era ela que tinha – ou tem – um relacionamento com você.

Texto publicado no Amor Crônico em 22 de fevereiro de 2016.

                  

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Giseli Rodrigues

Mãe do Lucas. Escritora. Professora. Revisora. Especialista em Letras, Recursos Humanos e Gestão Empresarial. Estudante de Psicologia. Chocólatra. Flamenguista. Pintora nas horas vagas. Bem-humorada. Feliz.

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