Alice, uma mulher traída

Ela estava tão triste que sua alma doía. Não conseguia se concentrar em nada e foi andar sem rumo pela rua até que encontrou um bar aparentemente vazio e entrou. Sentou-se num canto, escondida, e lia mais uma vez aquelas folhas impressas, cujas mensagens já havia decorado.

“Sinto saudade do seu corpo, não vejo a hora de te encontrar, estou morrendo de saudades, penso em você todos os dias, não canso de olhar suas fotos, olho para o céu e imagino você aqui comigo, neste final de semana conseguiremos matar a saudade, me sinto cada vez mais ligado a você, mesmo distante estou sempre perto, você faz muita falta”, eram as frases contidas naquelas folhas já amassadas.

A cada palavra que lia ela chorava mais um pouco. As lágrimas molhavam as folhas, já enrugadas. Olhava o celular, lia o cardápio e se voltava para as folhas novamente, com as letras já borradas de tantas lágrimas. Mas, ainda que as palavras se apagassem, ela já tinha decorado cada frase, cada mensagem, cada declaração de amor.

Pediu uma caipirinha. Depois outra. Perdeu as contas de quantas bebera. Não sabia mais se era dia ou noite. O telefone tocava e ela ignorava. Lia novamente as folhas que trouxera e chorava. Cada vez mais alto. Cada vez mais profundo. E tanto que parecia não haver mais lágrimas. Mas ainda havia secreção nasal misturada ao seu desespero. Que caiam sobre as folhas, as suas companheiras.

Agora Alice sabia.

Tinha invadido a privacidade do seu namorado, mexeu nos e-mails e descobriu que tinha sido traída. Mais de uma vez. Estavam lá todas as mensagens de amor. Iguais as que ele muitas vezes escrevera para ela. E como ela muitas vezes respondera para ele. Mas não eram mensagens para ela. E não eram suas respostas para ele.

– Posso ajudar em alguma coisa?, perguntou aflito o garçom.

– Mais uma caipirinha, por favor. Hoje o meu namorado morreu, respondeu Alice.

– Sinto muito, disse ele enquanto virava as costas para pegar mais uma caipirinha.

Alice era só tristeza, incerteza e dúvida. “Quem procura acha” era a frase que martelava em sua mente. Já estava arrependida de ter vasculhado as coisas da pessoa que amava. Preferia não ter sabido. Assim estaria feliz agora, alienada, sem saber que dividia ele com outras. Mas já não tinha como voltar atrás.

Agora Alice sabia.

E, porque sabia não sabia o que fazer. Contar que invadiu o e-mail? Esfregar na cara dele aquelas folhas enrugadas? Exigir um pedido de desculpas? Terminar tudo sem que ele soubesse o por quê? Ou continuar com aquele homem mentiroso e infiel, mas que ela amava mesmo depois de ter lido tantas declarações de amor para as outras?

O rosto dela estava vermelho de tanto chorar e qualquer um que a visse poderia jurar que tinha morrido alguém que ela amava muito. E morrera. O homem carinhoso, que lhe fez juras de amor, prometeu fidelidade e com quem ela fez planos para o futuro deixou de existir desde o momento em que ela abriu o e-mail, se deparou com as mensagens e leu cada uma das frases de amor para as outras.

Agora Alice sabia.

E porque sabia não sabia o que fazer. A dúvida a atormentava, porque, independente da decisão que viria tomar, aquele homem que ela amava não existia. Não da maneira que ela pensou que existisse. Morreu. Mesmo que continuasse vivo. Mesmo que continuasse com ela.

Agora Alice sabia.

E descobriu que felizes são aqueles que preferem não saber.

Texto publicado no Amor Crônico no dia 21 de março de 2016.

Sobre a autora Todas as publicações

Giseli Rodrigues

Mãe do Lucas. Escritora. Professora. Revisora. Especialista em Letras, Recursos Humanos e Gestão Empresarial. Estudante de Psicologia. Chocólatra. Flamenguista. Pintora nas horas vagas. Bem-humorada. Feliz.

Deixe uma resposta

Your email address will not be published. Required fields are marked *